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quinta-feira, 13 de maio de 2010

Morro, Senhor, de indiferença


Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.
Na indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.
Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.
Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.
De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.
(já não se morre de velhice
nem de acidente, nem de doença,
mas, Senhor, só de indifrença).
Cecília Meireles

sábado, 1 de maio de 2010

Poema à mãe


No mais fundo de ti,
eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração,
ficou enorme, mãe!
Olha-queres ouvir-me?
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
Ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas como as que tens na moldura;
Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio do laranjal...
Mas - tu sabes -a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada , mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade