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segunda-feira, 28 de junho de 2010

Progresso tecnológico versus regressão humana



Net pode estupidificar o cérebro
A frase é forte, altamente contestada e é proferida por um adepto confesso das novas tecnologias e respeitado especialista em questões relacionadas com a vida na Web. O seu nome é Nicholas Carr, e o seu último livro, apoiado em inúmeras experiências científicas, afirma que “estamos a treinar os nossos cérebros para prestar atenção a tudo o que não interessa”. É que a explosão de tecnologia digital não só alterou a forma como vivemos e comunicamos, como também a nossa actividade cerebralPOR HELENA OLIVEIRA
© DR



No início de 2009, num estudo publicado pela revista Science, uma famosa psicóloga do desenvolvimento, Patrícia Greenfield, avaliou mais de 40 estudos sobre os efeitos dos vários tipos de media em correlação com a inteligência e a capacidade de aprendizagem. Uma das suas conclusões foi a de que “cada meio desenvolve algumas competências cognitivas em detrimento de outras”. A utilização crescente da internet e de outras tecnologias com base em ecrãs, escreve, levou a “um desenvolvimento generalizado e sofisticado das nossas competências espaciais e visuais”. Contudo, esses ganhos caminham de mãos dadas com um enfraquecimento da nossa capacidade de “processamento aprofundado” que sustenta a “aquisição cuidadosa de conhecimentos, análise indutiva, pensamento crítico, imaginação e reflexão”.
Se o leitor conseguiu ler este parágrafo sem ter a tentação de abrir o seu email, de responder a um tweet, de visitar o Facebook ou de ver algum vídeo no YouTube, parabéns, pois ainda não está totalmente rendido ao vício e à distracção crónica. Mas e voltando ao estudo acima citado, afinal não concordámos todos que a Internet abriu portas a todo o conhecimento do mundo, aumentou a nossa produtividade para níveis jamais vistos e contribuiu para todos nós sermos mais informados e conhecedores da realidade? De acordo com o autor de The Shallows: what the Internet is doing to our brains, a questão das multi-tarefas que é permitida e encorajada por todos os dispositivos digitais que temos ao nosso dispor serve, supostamente, para aumentar a nossa produtividade mas, muitas vezes, acaba por a diminuir. “Quando nos ligamos à Internet, entramos num ambiente que promove a leitura apressada, um tipo de pensamento ‘às pressas’ e distraído e a aprendizagem superficial”, escreve. Para o autor, a leitura é feita a partir de um padrão em “F”: depois de lermos as duas primeiras linhas de um texto, o mais comum é que os nossos olhos desçam até ao final da página. E isto explica-se pelo facto de estarmos a perder a capacidade de transferir o conhecimento da memória “em trabalho” de curto prazo para a memória de longo prazo, a qual é responsável por modelar as nossas perspectivas e visões de forma duradoura. Ou seja e de forma simples, o que ganhamos em quantidade de informação disponível, perdemos na forma como a deixámos de aprofundar.
As premissas de Nicholas Carr não são novas. Em 2008, publicou um artigo na revista The Atlantic, no qual argumentava que devido à constante enchente de estímulos digitais a que estamos voluntariamente sujeitos, as conexões no nosso cérebro estão a ser profundamente alteradas. Enquanto somos obrigados a escolher, por entre inúmeros links promissores, na altura em que os nossos olhos são atingidos por anúncios que aparecem subitamente no ecrã, quando não nos contemos e somos compulsivamente convidados a ligar o Facebook ou a abrir um vídeo altamente recomendado pelos nossos pares, em todo este processo estamos igualmente a destruir a nossa capacidade neurológica para recordar e reter factos ou para digerirmos convenientemente o banquete de informação a que fomos expostos.
Progresso tecnológico versus regressão humanaComo Nicholas Carr nos relembra, são muitos os pensadores que, ao longo das épocas, perceberam que as ferramentas que temos ao nosso dispor alteram os nossos pensamentos. Platão era um deles. Marshall McLuahn era outro. Mas quem o afirma agora é um especialista em tecnologia, um bloguer prolifero e um pensador reconhecido que adopta uma atitude tão fatalista em relação à tecnologia que nos faz quase ter medo de, num instantinho, irmos consultar o email. Neste momento da História, Nicholas Carr considera o advento da Internet “não só como um progresso da tecnologia, mas também como uma forma de regressão humana”. Nesta perspectiva antropológica, Carr vai até mas longe e, metaforizando, afirma que estamos a regressar à trajectória inicial da civilização. Ou seja, de cultivadores de conhecimento pessoal, estamo-nos a transformar em caçadores/recolectores da floresta das informações electrónicas”.
“Quando nos ligamos à Internet, entramos num ambiente que promove a leitura apressada, um tipo de pensamento ‘às pressas’ e distraído e a aprendizagem superficial”
A equivalência entre ferramentas e a forma como o nosso cérebro se adapta às mesmas, sofrendo alterações, é facilmente comprovada: se a invenção do relógio, alterou a nossa concepção do tempo, se os mapas tornaram diferente o espaço desde que foram inventados e se a falta de visão de Friedrich Nietzsche o obrigou a optar pela máquina de escrever em detrimento da escrita à mão, o que alterou completamente o seu estilo, é passivo afirmar-se que as nossas ferramentas e as nossas competências se alteram porque estamos a utilizar novas conexões no nosso cérebro. A esta maravilha humana chama-se plasticidade ou maleabilidade cerebral e os efeitos culturais e neurobiológicos que daqui resultam são, de forma crescente, cada vez mais observáveis.Os neurocientistas há muito que sabem que o cérebro humano e extremamente plástico. “Os neurónios e as sinapses mudam quando as circunstâncias se alteram. E quando nos adaptamos a novos fenómenos culturais, incluindo a utilização de um novo meio, acabamos por ficar com um novo cérebro”, afirma Michael Merzenich, um pioneiro no campo da neuroplasticidade e um dos investigadores que contribuiu para o livro de Carr. “E isso significa que os nossos hábitos online continuam a ‘ressoar’ enquanto as células do nosso cérebro trabalham mesmo depois de nos desligarmos do mundo virtual”. No que respeita à plasticidade e aos meios, o que Carr defende é que enquanto mantivemos mais ou menos o mesmo número de horas ligados à televisão, a leitura ficou absolutamente para trás e a Net ocupa agora lugar privilegiado. Daí o especialista afirmar que enquanto a Web fortalece aquilo que ele denomina como as nossas funções mentais mais “primitivas” – uma tomada de decisão mais rápida a par da resolução célere de problemas – enfraquece as funções mais intelectuais, principalmente aquelas que estão relacionadas com a leitura e, por consequência, com a linguagem, a memória e o processamento visual. E esta mudança pode ser observada em scans cerebrais. A Internet estimula a distracção, a interrupção e o saltitar de assunto em assunto.Contudo, e para os que criticam vivamente as novas premissas do fatalismo tecnológico de Nicholas Carr, a Web oferece-nos também um excedente cognitivo. Ou seja, existem certas competências neurológicas que são realmente fortalecidas pela utilização da Internet. Um dos estudos mais citados no que respeita aos videojogos, por exemplo, publicado em 2003 na revista Nature, concluiu que depois de 10 dias a jogar jogos de acção em computadores, um grupo de jovens aumentou significativamente a velocidade mediante a qual conseguia alternar o seu enfoque visual por entre várias imagens e tarefas. Um outro estudo, mais recente, e que envolveu mulheres inglesas que pesquisavam informação médica online indicou que quanto mais experiente for o utilizador da Internet, mais exactas são as suas escolhas e melhor é a avaliação das suas escolhas relativamente às páginas da Web. Ou seja, quanto mais navegamos, melhor se adapta o nosso cérebro no que respeita a estas mesmas tarefas.

Mas seria um enorme erro, de acordo com Nicholas Carr, tomar em linha de conta estes benefícios e afirmar que a Net nos torna mais inteligentes. Para o neurocientista Clifford Nass, um professor de Stanford que tem vindo a fazer experiências entre utilizadores “hard” de Internet versus os mais “soft”, tornou-se claro que os primeiros se distraem muito mais, possuem uma perda de controlo significativa no que respeita à sua memória “trabalhadora” e, na generalidade, são muito menos capazes de se concentrar numa só tarefa. Nass afirma que estes multi-tarefas intensivos são “sugadouros de irrelevâncias”, pois tudo os distrai. Opinião secundada por Michael Merzenich, que afirma que enquanto operamos múltiplas tarefas na Net, estamos a “treinar os nossos cérebros para prestar atenção a tudo o que é lixo”.O preço mental que pagamosAs polémicas relativamente a novos fenómenos culturais ou de comunicação sempre existiram. Nos anos 50, os pais dos adolescentes morriam de medo relativamente ao mal que o rock poderia fazer à cabeça dos seus filhos; nos anos 70, todos se interrogavam sobre os efeitos prejudiciais que a televisão teria nas crianças; nos anos 90, existiu uma sociopatologia relativamente à música e às mensagens veiculadas pelos rappers. Mas a verdade é que a nova polémica em torno das premissas de Carr está, tanto quanto possível, cientificamente sustentada.
“De cultivadores de conhecimento pessoal, estamo-nos a transformar em caçadores / recolectores da floresta das informações electrónicas”.
Mas também existem outras provas cientificas que indicam o contrário. O autor Don Tapscott, por exemplo, tem vindo a afirmar, há já vários anos e de acordo com milhares de entrevistas que tem feito à denominada geração net, que principalmente entre os zero e os três anos e os oito e os 18, graças à exposição às novas tecnologias, as sinapses cerebrais alteram-se, existindo cada vez mais evidências que apontam para que os cérebros da geração net estejam a conseguir ultrapassar aquilo que convencionalmente se apelida de “limitações da capacidade”. Uma outra curiosidade interessante referida por Tapscott e que decorreu de um inquérito realizado pelo próprio, afirma que 69% dos jovens entrevistados preferiam ser mais espertos e apenas 31% mais bem-parecidos. Sim, é verdade, estes jovens pensam de maneira diferente. Preferem a net à televisão, e “vêem” esta última de uma forma completamente distinta, normalmente não com o ecrã à frente dos olhos, mas nas suas costas. Também não têm a mínima paciência para anúncios. E tudo isto porquê? Porque têm as suas próprias normas: liberdade, customização, escrutínio, integridade, colaboração, entretenimento, velocidade e inovação são as características que os distinguem e que lhes confere uma nova identidade.
Ou seja, a “nossa” geração, que teve uma infância analógica e entrou na era digital já na idade adulta, parece ser a que mais preocupa Nicholas Carr. Mas há que realçar que o autor não renega os benefícios da Internet, apenas alerta que o preço a pagar pode ser alto. O problema é que o mecanismo cerebral que selecciona minuciosamente - por entre a avalanche de informação em tempo real que inunda os nossos sentidos - o que é mais importante para ser incorporado na nossa memória de longo prazo, não tem “espaço nem capacidade suficiente” para lidar com um website a abarrotar de links, vídeos e RSS feeds.Enquanto a mente de um leitor de um livro considera aquilo que é importante de acordo com o seu próprio ritmo, o cérebro do Netizen (“cidadão” da Internet) tem de fazer opções muito mais rápida e aleatoriamente. O resultado cifra-se na diminuição da nossa capacidade para retermos o máximo do que é importante, na medida em que nos tornamos consumidores “desatentos ou embrutecidos” de informação. Este facto poderá igualmente explicar os motivos subjacentes ao facto de quanto mais tempo passamos a passear pela Web, mais difícil se torna concentrarmo-nos.Talvez esta seja uma oportunidade para nos tentarmos livrar deste vício compulsivo. Ou para ir já a correr à Net pesquisar sobre o assunto.
Em: Ver - Valores, Ética e Responsabilidade. Edição nº 122

sexta-feira, 18 de junho de 2010

No silêncio dos olhos


No silêncio dos olhos
Em que língua se diz, em que nação,
em que outra humanidade se aprendeu
a palavra que ordene a confusão
que neste remoínho se teceu?
Que murmúrio de vento, que dourados
cantos de ave pousada em altos ramos
dirão, em som, as coisas que, calados,
no silêncio dos olhos confessamos?
José Saramago
Os Poemas possíveis
Lisboa, Caminho,1999