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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Não tenho pressa


Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
e vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Ando à procura de espaço para o desenho da vida


Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre meu passo,
é distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.

Cecília Meireles

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Porquê tão longe ir pôr o que está perto?


Porquê tão longe ir pôr o que está perto?

Uns, com os olhos postos no passado,
vêem o que não vêem; outros, fitos
os mesmos olhos no futuro, vêem
o que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto —
a segurança nossa?

Este é o dia,esta é a hora, este o momento, isto
é quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora que nos confessa nulos.
No mesmo hausto em que vivemos, morreremos.

Colhe O dia, porque és ele.


28-8-1933
Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa