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sexta-feira, 26 de maio de 2023

Dói-me a vida, doutor

 


 




                                                   Foto: google





“- Dói-te alguma coisa?

- Dói-me a vida, doutor (…)

- E o que fazes quando te assaltam essas dores?

- O que de melhor sei fazer, excelência.

- E o que é?

- É sonhar.”


MIA COUTO, in “O fio das missangas”, Ed. Caminho, 2004


terça-feira, 16 de maio de 2023

A Árvore, a Estrela e a Pequena Mão


                                                    Foto: google


A Árvore, a Estrela e a Pequena Mão

A pequena mão desenha a árvore

onde uma estrela se aninha para dormir.

Que dia será o de amanhã

no meio dos escombros onde o eco da súplica

enlouquece os cães famintos?

Quadro trágico para uma noite assim.

A pequena mão pega na borracha

e tenta apagar toda a dor do mundo

e acender com um novo traço

a claridade que resgata a alma.

A estrela acorda numa copa alta

e segue o caminho do que sabe

até encontrar a pequena mão

que tudo reinventa à medida do que somos.

Quando o encontro acontece

já não é noite nem dia, tempo infinito,

mas apenas um lugar onde o choro das crianças

de súbito se transforma em cântico.


A pequena mão desenha tudo

o que falta desenhar para o sonho fazer sentido.

É uma mão frágil mas firme, apenas sábia,

e quando abre o livro azul das manhãs

é sempre para escrever as palavras

que o estrondo abafou nas cidades feridas.

A pequena mão desenha uma árvore,

uma estrela e uma mãe aflita.

Depois desenha uma linha de horizonte,

uma constelação e uma pequena arca.

Um traço basta para criar a luz.

Depois tudo é mistério e júbilo.

Que ao menos esta noite ninguém se esqueça

da árvore, da estrela, da lenda

e da magia da pequena mão afagando a vida.


José Jorge Letria, in 'Antologia Poética'