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quarta-feira, 27 de abril de 2022

Devo à Paisagem as Poucas Alegrias que Tive no Mundo


                                             Foto: Google


Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa.

 As dobras, e as cores do chão onde firmo os pés, foram sempre no meu espírito coisas sagradas e íntimas como o amor. Vivo a natureza integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espetáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno.


Miguel Torga, in "Diário (1942)"


domingo, 24 de abril de 2022

Liberdade


                                                 Foto: Google


Liberdade

Liberdade, que estais no céu..
Rezava o padre-nosso que sabia, 
A pedir-te, humildemente, 
O pio de cada dia. 
Mas a tua bondade omnipotente 
Nem me ouvia. 

— Liberdade, que estais na terra..
E a minha voz crescia 
De emoção. 
Mas um silêncio triste sepultava 
A fé que ressumava 
Da oração. 

Até que um dia, corajosamente, 
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado, 
Saborear, enfim, 
O pão da minha fome. 
— Liberdade, que estais em mim, 
Santificado seja o vosso nome.    

Miguel Torga, in 'Diário XII'


quarta-feira, 13 de abril de 2022

Os Dias Felizes estão entre as árvores, como os pássaros

                                                              Foto: Google


 Os Dias Felizes estão entre as árvores, como os pássaros:

viajam nas nuvens,

correm nas águas,

desmancham-se na areia.

 

Todas as palavras são inúteis,

desde que se olha para o céu.

 

A doçura maior da vida

flui na luz do sol,

quando se está em silêncio.

Cecília Meireles

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Fez tanto luar que eu pensei em teus olhos antigos e nas tuas antigas palavras.



Foto: Google

 

Valsa

Fez tanto luar que eu pensei em teus olhos antigos
e nas tuas antigas palavras.
O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos
que tornei a viver contigo enquanto o vento passava.

Houve uma noite que cintilou sobre o teu rosto
e modelou tua voz entre as algas.
Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege
e estudo apenas o ar e as águas.

Coitado de quem pôs sua esperança
nas praias fora do mundo…
– Os ares fogem, viram-se as água,
mesmo as pedras, com o tempo, mudam


Cecilia Meireles – Viagem