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sexta-feira, 28 de junho de 2024

Vivemos quase sempre fora de nós mesmos


                                              Foto: Google


Vivemos quase sempre fora de nós mesmos, e a vida é uma contínua dispersão.

Mas é para nós que tendemos, como para um centro em torno do qual, como planetas, traçamos eclipses absurdas e distantes.

 

Fernando Pessoa – Livro do Desassossego


segunda-feira, 17 de junho de 2024

O poema me levará no tempo


                                              Foto: Google


O poema me levará no tempo

Quando eu já não for eu

E passarei sozinha

Entre as mãos de quem lê

 

O poema alguém o dirá

Às searas

 

Sua passagem se confundirá

Com o rumor do mar com o passar do vento

 

O poema habitará

O espaço mais concreto e mais atento

 

No ar claro nas tardes transparentes

Suas sílabas redondas

 

(Ó antigas ó longas

Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará

Uma praia onde quebrar as suas ondas

 

E entre quatro paredes densas

De funda e devorada solidão

Alguém seu próprio ser confundirá

Com o poema no tempo

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto


domingo, 2 de junho de 2024

Aos jacarandás de Lisboa

                                              Foto: Google



 

Aos jacarandás de Lisboa

São eles que anunciam o verão.

Não sei doutra glória, doutro

paraíso: à sua entrada os jacarandás

estão em flor, um de cada lado.

E um sorriso, tranquila morada,

à minha espera.

O espaço a toda a roda

multiplica os seus espelhos, abre

varandas para o mar.

É como nos sonhos mais pueris:

posso voar quase rente

às nuvens altas — irmão dos pássaros —,

perder-me no ar.

 

- Eugénio de Andrade, do livro "Os sulcos da sede (2001)"/em "Poesia". [Posfácio de Arnaldo Saraiva]. 2ª ed., revista e acrescentada Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005, p. 582.