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terça-feira, 28 de janeiro de 2025

No tempo em que havia ruas


                                             Foto: Google



No tempo 

em que havia ruas, 

ao fim da tarde 

minha mãe nos convocava: 

era a hora do regresso. 

E a rua entrava 

connosco em casa. 

Tanto o Tempo 

morava em nós 

que dispensávamos futuro. 

Recolhida em meu quarto, 

a cidade adormecia 

no mesmo embalo da nossa mãe. 

À entrada da cama, 

eu sacudia a areia dos sonhos 

e despertava vidas além. 

Entre casa e mundo 

nenhuma porta cabia: 

que fechadura encerra 

os dois lados do infinito? 

- Mia Couto, em “Tradutor de chuvas”. Lisboa: Editorial Caminho, 2011.


sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

A neve pôs uma toalha calada sobre tudo


                                              Foto: Google


A neve pôs uma toalha calada sobre tudo.

Não se sente senão o que se passa dentro de casa.

Embrulho-me num cobertor e não penso sequer em pensar.

Sinto um gozo de animal e vagamente penso,

E adormeço sem menos utilidade que todas as acções do mundo.

s.d.

“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

  - 104.


quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Lisboa


                                              Foto: Google


Lisboa

Cidade branca

semeada

de pedras


Cidade azul

semeada

de céu


Cidade negra

como um beco


Cidade desabitada

como um armazém


Cidade lilás

semeada

de jacarandás

Cidade dourada


semeada

de igrejas


Cidade prateada

semeada

de Tejo


Cidade que se degrada

cidade que acaba


Adília Lopes, in 'Poemas Novos'