quarta-feira, 1 de outubro de 2014
A roupa estendida ao vento parece gente a viver
Foto: Google
A roupa estendida ao vento
parece gente a viver
move-se em gestos sem tento
perante o meu pensamento
que não sabe senão ver.
Mas o que fazem no mundo
os homens nos gestos seus
nada é mais firme ou profundo
que este ar nas roupas ao fundo
dos grandes quintais de Deus.
E eu no meu solene estúdio
de como as cousas não são,
no qual compreendo tudo,
vejo o branco agitar mudo
da roupa sem coração.
E lembro, por diferença,
a semelhança que há
entre a agitação intensa
da roupa livre e suspensa
e aquela em que o homem está.
Ao sol e ao vento da vida
livre e preso sob os céus
oscila, coisa movida,
mas é só roupa estendida
nos grandes quintais de Deus.
7 - 12 - 1937
In Poesia 1931-1935 e não datada , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2006