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quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Há sensações que são sonos, que ocupam como uma névoa...

                                                     Foto:Google

 

Há sensações que são sonos, que ocupam como uma névoa toda a extensão do espírito, que não deixam pensar que não deixam agir, que não deixam claramente ser. Como se não tivessemos dormido, sobrevive em nós qualquer coisa de sonho, e há um torpor do sol do dia a aquecer a superfície estagnada dos sentidos.

Olha-se mas não se vê. A longa rua movimentada de humanos é uma espécie de tabuleta deitada onde as letras fossem móveis e não formassem sentidos. As casas são somente casas. Perde-se a possibilidade de dar um sentido ao que se vê, mas vê-se bem o que é, sim.

Não é tédio o que se sente. Não é mágoa o que se sente. É uma vontade de dormir com outra personalidade, e esquecer com melhoria de vencimento. Não se sente nada, a não ser um automatismo cá em baixo, a fazer umas pernas que nos pertencem levar a bater no chão, na marcha involuntária, uns pés que se sentem dentro dos sapatos. Nem isto se sente talvez. À roda dos olhos e como dedos nos ouvidos há um aperto de dentro da cabeça.

Parece uma constipação na alma.

 

Livro do Desassossego por Bernardo Soares.Vol.I. Fernando Pessoa.