Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até
que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei
nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a
aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me
encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são
os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo
ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam
cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos
sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho
enquanto espero.
29-3-1930
Livro do Desassossego por Bernardo Soares.Vol.I.
Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e
Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.)
Lisboa: Ática, 1982.
- 38.