quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
sábado, 14 de novembro de 2015
A Vida não Cabe numa Teoria
Foto:Google
A vida... e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filósofos arquitectaram na severidade das bibliotecas, em quantos belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teólogos não entenderam na solidão das celas. Nisto, ou então na conta do sapateiro, na degradação moral do século, ou na triste pequenez de tudo, a começar por nós.
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.
Miguel Torga, in "Diário (1941)"
A vida... e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filósofos arquitectaram na severidade das bibliotecas, em quantos belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teólogos não entenderam na solidão das celas. Nisto, ou então na conta do sapateiro, na degradação moral do século, ou na triste pequenez de tudo, a começar por nós.
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.
Miguel Torga, in "Diário (1941)"
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
Uma tristeza de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas
Foto: Google
Uma tristeza
de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas, um tédio de sentir
qualquer coisa, uma dor como de um soluço parado ou de uma verdade obtida.
Desenrola-se-me na alma desatenta esta paisagem de abdicações - áleas de gestos
abandonados, canteiros altos de sonhos nem sequer bem sonhados,
inconsequências, como muros de buxo dividindo caminhos vazios, suposições, como
velhos tanques sem repuxo vivo, tudo se emaranha e se visualiza pobre no
desalinho triste das minhas sensações confusas.
s.d.
Livro do
Desassossego. Vol.I.
Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.)
Coimbra: Presença, 1990.
- 90.
"Fase decadentista", segundo António
Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I.
Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.
quarta-feira, 23 de setembro de 2015
Deixem passar
Foto: Google
Havia sentinelas a guardar
A fronteira do sonho proibido.
Mas ergui, atrevido,
A voz de sonhador,
E passei
Como um rei,
Sem dar mostras do íntimo terror.
E cá vou a passar,
aterrado e sozinho,
A lembrar
O santo-e-senha com que abri caminho...
Miguel Torga, 1973
Deixem passar...
Havia sentinelas a guardar
A fronteira do sonho proibido.
Mas ergui, atrevido,
A voz de sonhador,
E passei
Como um rei,
Sem dar mostras do íntimo terror.
E cá vou a passar,
aterrado e sozinho,
A lembrar
O santo-e-senha com que abri caminho...
Miguel Torga, 1973
sábado, 5 de setembro de 2015
O que fazes ao teu irmão?
Fotos: Google
Milhares de refugiados
puderam embarcar esta quinta-feira num comboio em Budapeste, após terem sido impedidos de
fazer a viagem nos últimos dois dias.
Os refugiados pensavam que iam para a Áustria e para a Alemanha mas, afinal, as autoridades húngaras encaminharam o comboio para um campo de refugiados na Hungria.
Quando perceberam o engano, os cerca de 2.000 migrantes recusaram desembarcar, lançaram-se para os carris e envolveram-se em confrontos com a polícia húngara.
A viagem durou apenas 35 quilómetros até ao centro de acolhimento de migrantes, em Bickse, refere a Reuters.
Acumulados nas janelas do comboio, os refugiados gritaram: “Campo, não!”. Os jornalistas deixaram de poder testemunhar o sucedido, porque a polícia húngara vedou a zona e expulsou-os do local.
(notícia www.tvi24 internacional - 3 de Setembro às 14:26 - Catarina Pereira)
Os refugiados pensavam que iam para a Áustria e para a Alemanha mas, afinal, as autoridades húngaras encaminharam o comboio para um campo de refugiados na Hungria.
Quando perceberam o engano, os cerca de 2.000 migrantes recusaram desembarcar, lançaram-se para os carris e envolveram-se em confrontos com a polícia húngara.
A viagem durou apenas 35 quilómetros até ao centro de acolhimento de migrantes, em Bickse, refere a Reuters.
Acumulados nas janelas do comboio, os refugiados gritaram: “Campo, não!”. Os jornalistas deixaram de poder testemunhar o sucedido, porque a polícia húngara vedou a zona e expulsou-os do local.
(notícia www.tvi24 internacional - 3 de Setembro às 14:26 - Catarina Pereira)
quinta-feira, 23 de julho de 2015
Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção
Foto: Google
Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!
Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre...
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...
Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura...
Santos Deuses, assim até se faz a vida!
Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida...
Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,
Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica.
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,
Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando,
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema...
Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
quarta-feira, 1 de julho de 2015
Regra é da vida que podemos
Foto: Google
Regra é da vida que podemos, e devemos, aprender com toda a gente. Há coisas da seriedade da vida que podemos aprender com charlatães e bandidos, há filosofias que nos ministram os estúpidos, há lições de firmeza e de lei que vem no acaso e nos que são do acaso. Tudo está em tudo.
Em certos momentos muito claros da meditação, como aqueles em que, pelo princípio da tarde, vagueio observante pelas ruas, cada pessoa me traz uma notícia, cada casa me dá uma novidade, cada cartaz tem um aviso para mim.
Meu passeio calado é uma conversa contínua, e todos nós, homens, casas, pedras, cartazes e céu, somos uma grande multidão antiga, acotovelando-se de palavras na grande procissão do Destino.
Do Livro do Desassossego, provavelmente em 1932
Regra é da vida que podemos, e devemos, aprender com toda a gente. Há coisas da seriedade da vida que podemos aprender com charlatães e bandidos, há filosofias que nos ministram os estúpidos, há lições de firmeza e de lei que vem no acaso e nos que são do acaso. Tudo está em tudo.
Em certos momentos muito claros da meditação, como aqueles em que, pelo princípio da tarde, vagueio observante pelas ruas, cada pessoa me traz uma notícia, cada casa me dá uma novidade, cada cartaz tem um aviso para mim.
Meu passeio calado é uma conversa contínua, e todos nós, homens, casas, pedras, cartazes e céu, somos uma grande multidão antiga, acotovelando-se de palavras na grande procissão do Destino.
Do Livro do Desassossego, provavelmente em 1932
terça-feira, 30 de junho de 2015
A poesia não vai à missa
Foto: Google
A poesia não vai à missa,
não obedece ao sino da paróquia,
prefere atiçar os seus cães
às pernas de deus e dos cobradores
de impostos.
Língua de fogo do não,
caminho estreito
e surdo da abdicação, a poesia
é uma espécie de animal
no escuro recusando a mão
que o chama.
Animal solitário, às vezes
irónico, às vezes amável,
quase sempre paciente e sem piedade.
A poesia adora
andar descalça nas areias do Verão.
Eugénio de Andrade
sexta-feira, 26 de junho de 2015
Kid studying on Cebu sidewalk inspires netizens
WONDER BOY. Daniel studies in deep concentration along one of the
sidewalks in Cebu City. Photo from
Joyce Torrefranca's Facebook account
(UPDATED) Under the lights of a nearby fast food restaurant, the young
boy diligently works on his homework
MANILA, Philippines (UPDATED) – A photo of a child studying outside a
fast food restaurant is currently making its rounds on social media.
Nine-year-old Daniel Cabrera was
pictured while sitting on his legs, a look of concentration on his face as he
writes on an open book. He was using a wooden bench as a makeshift table along
the sidewalk beside a Mcdonald's branch in theMandaue
Reclamation Area.
Joyce Torrefranca took Daniel's picture
on Tuesday night, June 23, and posted it oTorrefranca is a student at Cebu
Doctors' University. She said Daniel inspired her to study harder as she
prepares for an exam.
"As a student, it gave me an inspiration to work harder. I'm
fortunate my parents were able to send me to school. I seldom go to coffee
shops to study, but this kid just hit me. You really don't need much, you just
have to be determined and focused on the things that you want to achieve,"
Torrefranca told Rappler.
"I hope that this kid will inspire
millions of people," she said.
. “I was able to talk to this kid moments after Joyce took this
snapshot,” commented Giomen Probert Ladra Alayon on Torrefranca’s post.
“Nagstudy siya ug English. More
like a homework: identify the animal illustrated," according
to Alayon, who was with Torrefranca when she took the picture. (He is studying
English. It’s more of like a homework: identify the animal illustrated.)
In a telephone interview, Mcdonald's Mandaue Reclamation Area restaurant manager Iris Prak said that
Daniel, his mother, and his 7-year-old brother Gabriel usually stay outside
Mcdonald's to beg from passers-by.
The brothers do their homework there
after school because they do not have electricity at home. Prak said that
sometimes, the boys' mother works at a nearby food stall, where the family of 3
usually sleeps at night.
"Normally, nanghihingi sila ng
water, so binibigyan po namin sila (Normally they ask for water, so we
give them water)," shared Prak, adding that the Cabreras are free to hang
around the restaurant.
She added: "Gusto kasi ni Daniel ng toys. Sabi
ko sa kanya na if ever na makapagbigay siya ng paper na merong star, bibigyan
namin siya ng toy, pati 'yung kapatid niya."
(Daniel wants to get a toy. I told him that if he will be able to show
us a paper with a star, we'll give him and his brother toys.)
Mcdonald's Philippines public relations
and communications manager Adi Timbol said she is happy with the branch staff's
reception of the family.
"I felt happy and proud of the
store [because] they do what they can to be of assistance to the child even in
a little way," she told Rappler through a phone interview.
'Keep it up kid'
Alayon said that the kid’s perseverance
in studying makes the photos a source of inspiration.
“Despite the lack of personal space or
inadequate lighting, he still chose to study,” he said.
“Keep it up kid! Mabuhay!”
Another Facebook user, Norman Hams
Hicban, posted Torrefranca’s photo on his Facebook account on Wednesday, June 24. It has since
garnered more than 29,600 likes and 7,500 shares.
Several social media users praised the
young boy.
"The kid will have a very bright future....with
so much willing to help. He will be amazing for sure!! God bless him!"
said Dotti Manalo Libiran.
"I see a good leader in progress. Keep it up
kid!" commented Cecil Benavente.
domingo, 14 de junho de 2015
Estar fechado em si mesmo cansa.
Foto: Google
Estar fechado
em si mesmo cansa.
Sou um evadido.
Logo que nasci
fecharam-me em mim,
ah, mas eu fugi.
Se a gente se cansa
do mesmo lugar,
do mesmo ser
Por que não se cansar?
Minha alma procura-me
mas eu ando a monte,
oxalá que ela
nunca me encontre.
Ser um é cadeia,
ser eu não é ser.
Viverei fugindo
mas vivo a valer.
5-4-1931
Poesias
Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. (Nota
prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990).
- 44.
sexta-feira, 5 de junho de 2015
Isto também é ser mãe !!!
Foto: Google
Mensagem do meu filho, que vive no estrangeiro.
( Uma amiga minha partilhou no facebook uma citação do Dailai Lama, que me fez lembrar de ti.
"Dê a quem ama:
- asas para voar...
- raízes para voltar ...
- motivos para ficar...
Dailai Lama
Amo-te muito mãe, tem um óptimo dia, beijinho grande do teu filho )
Isto também é ser mãe !!!
Quando o nosso filho se lembra de nós ao ler um pensamento profundo e belo como este.
Reconhece que o que sentimos por dentro é o segredo da nossa serenidade.
Obrigada meu filho, por mais este afago no o meu coração.
Mensagem do meu filho, que vive no estrangeiro.
( Uma amiga minha partilhou no facebook uma citação do Dailai Lama, que me fez lembrar de ti.
"Dê a quem ama:
- asas para voar...
- raízes para voltar ...
- motivos para ficar...
Dailai Lama
Amo-te muito mãe, tem um óptimo dia, beijinho grande do teu filho )
Isto também é ser mãe !!!
Quando o nosso filho se lembra de nós ao ler um pensamento profundo e belo como este.
Reconhece que o que sentimos por dentro é o segredo da nossa serenidade.
Obrigada meu filho, por mais este afago no o meu coração.
quarta-feira, 3 de junho de 2015
Onde está Deus, mesmo que não exista?
Foto: Google
Onde está
Deus, mesmo que não exista? Quero rezar e chorar, arrepender-me de crimes que
não cometi, gozar ser perdoado como uma carícia não propriamente materna.
Um regaço
para chorar, mas um regaço enorme, sem forma, espaçoso como uma noite de Verão,
e contudo próximo, quente, feminino, ao pé de uma lareira qualquer... Poder ali
chorar coisas impensáveis, falências que nem sei quais são, ternuras de coisas
inexistentes, e grandes dúvidas arrepiadas de não sei que futuro...
Uma infância
nova, uma ama velha outra vez, e um leito pequeno onde acabe por dormir, entre
contos que embalam, mal ouvidos, com uma atenção que se torna morna, os perigos
que penetravam em jovens cabelos louros como o trigo... E tudo isto muito
grande, muito eterno, definitivo para sempre, da estatura única de Deus, lá no
fundo triste e sonolento da realidade última das coisas...
Um colo ou
um berço ou um braço quente em torno ao meu pescoço... Uma voz que canta baixo
e parece querer fazer-me chorar... O ruído de lume na lareira... Um calor no
Inverno... Um extravio morno da minha consciência... E depois sem som, um sonho
calmo num espaço enorme, como a lua rodando entre estrelas...
Quando ponho
de parte os meus artifícios e arrumo a um canto, com um cuidado cheio de
carinho — com vontade de lhes dar beijos — os meus brinquedos, as palavras, as
imagens, as frases — fico tão pequeno e inofensivo, tão só num quarto tão
grande e tão triste, tão profundamente triste! ...
Afinal eu
quem sou, quando não brinco? Um pobre órfão abandonado nas ruas das sensações,
tiritando de frio às esquinas da Realidade, tendo que dormir nos degraus da
Tristeza e comer o pão dado da Fantasia. De um pai sei o nome; disseram -me que
se chamava Deus, mas o nome não me dá ideia de nada. Às vezes, na noite, quando
me sinto só, chamo por ele e choro, e faço-me uma ideia dele a quem possa
amar... Mas depois penso que o não conheço, que talvez ele não seja assim, que
talvez não seja nunca esse o pai da minha alma...
Quando acabará
isto tudo, estas ruas onde arrasto a minha miséria, e estes degraus onde
encolho o meu frio e sinto as mãos da noite por entre os meus farrapos? Se um
dia Deus me viesse buscar e me levasse para sua casa e me desse calor e
afeição... Às vezes penso isto e choro com alegria a pensar que o posso
pensar... Mas o vento arrasta-se pela rua fora e as folhas caem no passeio...
Ergo os olhos e vejo as estrelas que não têm sentido nenhum... E de tudo isto
fico apenas eu, uma pobre criança abandonada, que nenhum Amor quis para seu
filho adoptivo, nem nenhuma Amizade para seu companheiro de brinquedos.
Tenho frio
de mais. Estou tão cansado no meu abandono. Vai buscar, O Vento, a minha Mãe.
Leva-me na Noite para a casa que não conheci... Torna a dar-me ó Silêncio imenso,
a minha ama e o meu berço e a minha canção com que dormia...
s.d.
Livro do
Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de
Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do
Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.
domingo, 3 de maio de 2015
As ruínas imagens de um mundo que partiu
(Foto: Google)
As ruínas, imagens de um mundo que partiu. Aquilo que nos incomoda nesses sítios é também a presença da morte. Penetramos, no universo do vazio. No reino da ausência.
E no entanto essa ausência é presença. A vida espalha-se por todas as fendas, a vida resplandece nos escombros que as ervas vão invadindo.
Um segredo importante esconde-se no meio das ruínas: o da instabilidade do mundo e a sua incessante mutação.
O que interessa dos lugares, é o facto de o seu espírito se reflectir em nós.
(Elogio do silêncio – Marc de Smedt)
sexta-feira, 13 de março de 2015
Qualquer caminho leva a toda a parte

Foto: Google
Qualquer caminho leva a toda a parte.
Qualquer ponto é o centro do infinito.
E por isso, qualquer que seja a arte
de ir ou ficar, do nosso corpo ou espírito,
tudo é estático e morto. Só a ilusão
tem passado e futuro, e nela erramos.
Não há estrada senão na sensação
é só através de nós que caminhamos.
Tenhamos pra nós mesmos a verdade
de aceitar a ilusão como real
sem dar crédito à sua realidade.
E, eternos viajantes, sem ideal
salvo nunca parar, dentro de nós,
consigamos a viagem sempre nada
outros eternamente, e sempre sós;
Nossa própria viagem é viajante e estrada.
Que importa que a verdade da nossa alma
seja ainda mentira, e nada seja
a sensação, e essa certeza calma
de nada haver, em nós ou fora, seja
inutilmente a nossa consciência?
Faça-se a absurda viagem sem razão.
Porque a única verdade é a consciência
e a consciência é ainda uma ilusão.
E se há nisto um segredo e uma verdade
os deuses ou destinos que a demonstrem
do outro lado da realidade,
ou nunca a mostrem, se nada há que mostrem.
O caminho é de âmbito maior.
Que a aparência visível do que está fora,
excede de todos nós o exterior
não para como as coisas, nem tem hora.
Ciência? Consciência? Pó que a estrada deixa
e é a própria estrada, sem a estrada ser.
É absurda a oração, absurda a queixa.
resignar(-se) é tão falso como ter.
Coexistir? Com quem, se estamos sós?
Quem sabe? Sabe [...] que são?
Quantos cabemos dentro em nós?
Ir é ser. Não parar é ter razão.
11-10-1919
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
- 95.
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
Enrolar o mundo à volta dos nossos dedos

Imagem:Google
Enrolar o mundo à volta dos nossos dedos, como um fio ou uma fita com que brinque uma mulher que sonha à janela.
Resume-se tudo enfim em procurar sentir o tédio de modo que ele não doa.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
Não entendo

(Foto: Google)
Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma bênção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco.
Não demais:
mas pelo menos entender que não entendo.
Clarice Lispector
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