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terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

As árvores têm pensamentos extensos, calmos e de fôlego comprido


                                              Foto:google

As árvores sempre foram para mim os oradores mais convincentes. Eu as venero entre suas famílias e povos, as florestas e os bosques, mas, ainda mais as adoro quando estão a sós. Então são como os seres solitários, mas não como eremitas que por causa de alguma fraqueza se isolaram, mas como os grandes homens solitários: como Beethoven e Nietzsche. Em suas copas cicia o mundo, suas raízes jazem no infinito. Solitárias, elas não se perdem, senão com toda a força de seu ser procuram a única meta, preencher a sua própria lei desenvolvendo suas formas e se auto-representando. Não existe nada mais santo, mais exemplar do que uma bela e forte árvore. Quando uma árvore é cortada e seu ferimento mortal fica exposto ao sol, então é possível ler-se em seu toco, que ao mesmo tempo lhe serve como lápide, toda a sua história. No cerne e nas ramificações encontra-se fielmente descrita toda a luta, todo o sofrimento, todas as doenças, toda a felicidade e todo seu desenvolvimento nos anos ruins e nos anos fortes, nas agressões e nas tempestades sobrevividas. Todo jovem camponês conhece a madeira mais forte e nobre pelos seus anéis de vida mais unidos, e que é lá no alto das montanhas, desafiando os mais constantes perigos, que crescem os troncos mais exemplares, mais fortes e resistentes. Árvores são relíquias. Quem sabe como falar-lhes, ouvi-las, esse conhece a verdade. Elas não pregam ensinamentos e receitas, pregam isoladamente a primária lei da vida.

Uma árvore diz: eu trago em mim uma luz, um pensamento, um âmago, pois eu sou a vida da vida eterna. Soberba e única foi a jogada que a eterna mãe ousou comigo em minhas formas, na constituição da minha pele, na mais leve cicatriz em minha casca ou no mais leve movimento de minhas folhas. Nada sei sobre meus pais, nem dos milhares de filhos que ano a ano brotam de mim. Vivo o segredo da minha semente até o fim, além disso nada mais me preocupa. Eu tenho a certeza de ter Deus em mim e que a minha missão é santa e dessa confiança vivo.

Quando estamos tristes, sem mais nenhuma vontade de aturar a vida, então uma árvore pode falar connosco. Ela dirá: Calma, calma! Olhe-me! Viver não é fácil, mas nem tão difícil, pensamentos assim são criancice, cale, deixe que Deus fale em você. Você treme porque seu caminho lhe afasta da mãe e da pátria, mas cada passo e cada dia o levarão novamente ao seu reencontro. A pátria não está lá, nem cá, está em você ou em lugar algum.

A nostalgia de um viajante corta o meu coração quando à noite ouço as árvores sussurrarem. Escutando longamente e, quieto, descubro a essência dessa saudade, que como poderia parecer não é uma fuga do sofrimento, senão a nostalgia por uma pátria, a saudade de uma mãe ou a procura de novos símbolos para a vida. É a saudade que nos guia para casa. Todo caminho leva para casa, qualquer passo é um nascer, um morrer, qualquer sepultura uma mãe.

É assim, quando à noite sentimos medo de nossos pensamentos infantis, que a árvore cicia. As árvores têm pensamentos extensos, calmos e de fôlego comprido, da mesma forma que sua vida é muito mais longa que a nossa.

Enquanto não aprendemos a ouvi-las, são mais sábias que nós, mas quando conseguimos, então, especialmente essa pressa e rapidez infantil em nossos pensamentos se enche de uma alegria sem igual. Quem já aprendeu a ouvir uma árvore não deseja mais ser uma, não desejará ser nada mais do que é e isso é a pátria, a felicidade.

Hermann Hesse no livro “Caminhada”