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sábado, 1 de maio de 2010

Poema à mãe


No mais fundo de ti,
eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração,
ficou enorme, mãe!
Olha-queres ouvir-me?
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
Ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas como as que tens na moldura;
Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio do laranjal...
Mas - tu sabes -a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada , mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade

3 comentários:

Maria Josefa Paias disse...

.
Olá "partilha de silêncios",

Uma excelente escolha para o dia de hoje :))

Beijinho.

partilha de silêncios disse...

Olá Josefa

Obrigada pela sua visita.

Um dia feliz

beijinho

Graça Pires disse...

Este poema do Eugénio é perfeito.
Sempre me comove.
Obrigada e um beijo.