Atravessar a Própria Solidão
A cultura contemporânea deixou de preparar-nos para a
solidão. Na maior parte das vezes, essa é uma aprendizagem que temos de fazer
em cima dos próprios acontecimentos ou na sua dolorosa ressaca, e de forma
muito desacompanhada. É como se a solidão fosse uma eventualidade improvável na
experiência humana e não, como é, um ponto de passagem obrigatório e comum.
Lembro-me de uma frase de Truman Capote que transcrevi há anos para um caderno:
«Todos estamos sozinhos, debaixo dos céus, com aquilo que amamos.» Em momentos
diferentes da vida, tenho regressado a ela, e sinto que ainda não me revelou a
extensão integral da sua verdade.
Esquecemos que todos os dias, mesmo numa vida afetivamente integrada e
febrilmente ativa, a solidão nos visita. Estamos sós quando estamos connosco
próprios e em companhia. Estivemos sós em crianças, na transbordante juventude
e nas décadas da vida adulta, e estaremos assim na nossa velhice. A amizade e o
amor são formas de partilhar, diminuir, dar serenidade ou potenciar
criativamente a solidão, mas o seu assobio ininterrupto continuará a fazer-se
ouvir na ronda magnífica dos amigos ou no abraço redondo dos amantes. Ela
perfura tudo. Recordá-lo é humanizar o nosso olhar sobre a realidade.
Também por esse motivo, gostei muito de encontrar as palavras lúcidas da
escritora brasileira Nélida Pinon: «A solidão buscada é o lugar onde melhor
aprendi a encontrar-me.»
José Tolentino Mendonça, in 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas'