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terça-feira, 28 de janeiro de 2025

No tempo em que havia ruas


                                             Foto: Google



No tempo 

em que havia ruas, 

ao fim da tarde 

minha mãe nos convocava: 

era a hora do regresso. 

E a rua entrava 

connosco em casa. 

Tanto o Tempo 

morava em nós 

que dispensávamos futuro. 

Recolhida em meu quarto, 

a cidade adormecia 

no mesmo embalo da nossa mãe. 

À entrada da cama, 

eu sacudia a areia dos sonhos 

e despertava vidas além. 

Entre casa e mundo 

nenhuma porta cabia: 

que fechadura encerra 

os dois lados do infinito? 

- Mia Couto, em “Tradutor de chuvas”. Lisboa: Editorial Caminho, 2011.